Naquela manhã de quinta-feira, no fim de 2023, o agente Tanner Hubbard, do Serviço Secreto dos EUA, estava se preparando para ir à academia quando uma mensagem com o “urgente” no celular de trabalho o fez mudar os planos. Ele ainda não sabia que aquela matéria mudaria sua vida pelos próximos dias.
O alerta vinha de Ryan Heethuis, analista da agência lotado na Europol, em Amsterdã. Ele havia recebido, de agentes disfarçados na Austrália, vídeos encontrados num fórum online que mostravam o abuso sexual de duas meninas muito jovens.
As imagens traziam marcações de tempo recentes e, pelas informações disponíveis, tudo indicava que haviam sido gravadas em algum ponto do leste dos Estados Unidos.Hubbard, na época com anos de experiência em casos de abuso infantil na internet, sentiu que o caso era urgente.
“Estava acontecendo agora”. Preocupado, saiu direto para a sede do Serviço Secreto em Washington, deixando os halteres para depois.
A busca pelo autor dos vídeos culminaria em uma condenação de 100 anos de prisão em tribunal federal — além de uma pena de prisão perpétua em nível estadual.
As penas refletem não apenas a gravidade dos crimes, mas também o esforço humano e tecnológico de uma investigação que expôs os limites e o potencial das ferramentas digitais no combate à exploração infantil.
Com base em documentos judiciais e entrevistas com agentes envolvidos, uma reportagem do Washington Post revela os bastidores de uma força-tarefa internacional que correu contra o tempo para identificar e prender o criminoso, antes que novas crianças tivessem suas vidas destruídas.
A internet multiplicou as rotas para o abuso sexual de crianças. Segundo a Comissão de Sentenças dos EUA,
De 2013 a 2021, as denúncias de material de abuso infantil recebidas pelo Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas saltaram de 500 mil para quase 30 milhões — reflexo tanto da melhoria na detecção quanto do uso crescente de criptografia e anonimato por agressores.
Danielly Lilly, a diretora de políticas da Childfund afirmou ao Post que eles têm observado um crescimento exponencial deste tipo de material”:
“Há uma facilidade crescente para os abusadores encontrarem esse conteúdo, comunidades que o incentivam e até ensinam como criá-lo.”
Diante do desafio, investigadores recorreram a parcerias internacionais e ferramentas de forense digital. Mas no caso de Hubbard, mesmo com apoio tecnológico, o avanço decisivo veio do trabalho manual e de lampejos de percepção humana.
Ao chegar a um prédio quase vazio em Washington, Hubbard assistiu aos vídeos enviados pelos australianos. A cena era “nauseante” mesmo para alguém acostumado a lidar com esse tipo de crime. Uma das vítimas parecia ser apenas um bebê.
Hubbard passou a trabalhar com Heethuis e a equipe forense da agência. Desde 1994, o Serviço Secreto — conhecido por proteger presidentes — também atua no combate à exploração infantil.
Reyna Shelton, analista da divisão forense, recebeu os vídeos enquanto estava na festa de aniversário da neta. Imediatamente, saiu da comemoração para buscar pistas nas imagens. “Eu simplesmente sabia que era algo em que eu não poderia parar de trabalhar até que o criminoso fosse preso.”
O abusador aparecia parcialmente nos vídeos: um olho, o contorno do rosto, parte do queixo. A equipe montou uma imagem facial a partir desses fragmentos. A composição, embora útil, não era suficiente para identificação via reconhecimento facial.
Então os investigadores passaram a buscar outras pistas: uma marca visível na roupa da criança, o padrão do carpete e brinquedos sexuais ao fundo. Nada disso levou a avanços.
Foi só na tarde de sexta-feira, no terceiro dia de trabalho, que Hubbard, exausto, fez uma pausa em um trecho já conhecido dos vídeos e notou um berço ao fundo.
Pesquisou na internet com descrições minuciosas: “berço preto com arco cinza, emblema branco e cantos de plástico rígido”. E encontrou um modelo semelhante.
Mandou a imagem para Heethuis em Amsterdã. “Acho que encontrei o berço do vídeo”, escreveu.
O berço era vendido exclusivamente online pelo Walmart, que forneceu à equipe 12 mil registros de venda. Filtrando por entregas no leste dos EUA, restaram 4.500. Heethuis sabia que seria impossível analisá-los sozinho, então convocou voluntários da agência. Em pouco tempo, 40 analistas ajudavam a cruzar nomes, endereços e fotos de documentos com a imagem facial obtida.
Outra pista surgiu com o padrão de uma fralda visível nos vídeos. Um número impresso no forró levou Heethuis a comparar com a fralda da filha. Ele identificou um código de lote e, com apoio da Pampers, descobriu que a remessa havia sido enviada para Ohio.
Antes mesmo que ele pudesse redirecionar a força-tarefa para o estado, um analista de Cincinnati enviou uma mensagem com o título “Possível suspeito”. Anexava uma foto de Marcus Leon Davis, 34 anos, morador de Springfield, Ohio. Hubbard e Heethuis compararam com a imagem reconstruída: “É ele. 100% ele”, disseram. O formato das sobrancelhas, a barba e a curvatura da testa confirmavam.
Naquela noite, Hubbard pediu desculpas à esposa. “Sei que estive sumido, mas preciso escrever um mandado. Encontramos o cara”, contou. Às 2 da manhã, ele terminou o documento. Às 6h, embarcou para Ohio.
Na manhã de terça-feira, Hubbard e outro agente chegaram à casa de Davis em Springfield, já vigiada por colegas. Enquanto esperavam a polícia local, Hubbard recebeu um e-mail: Davis havia postado novo vídeo enquanto ele redigia o mandado na noite anterior. A prisão não podia esperar.
Horas depois, uma equipe da SWAT ordenou que Davis saísse da casa. Ele apareceu confuso. Durante a revista, os agentes encontraram um cartão de memória escondido no vaso sanitário — continha material de abuso infantil. o criminoso havia tentado se livrar da prova momenots antes.
Cinco dias depois do início da investigação, ele estava preso.
“É um tempo incrivelmente rápido”, comentou Lilly, da ChildFund, lembrando que a maioria das denúncias não chega a esse desfecho, por falta de pessoal e recursos.
Davis inicialmente negou tudo. Mas, submetido a um teste de polígrafo, confessou friamente seus atos. “Ele queria subir nos rankings dos fóruns de abuso infantil, e para isso precisava produzir material”, relatou Demetrious Malamis, responsável pelo polígrafo.
Davis se declarou culpado de duas acusações de produção e duas de distribuição de pornografia infantil. Em 13 de maio de 2024, foi condenado a 100 anos de prisão. Uma semana depois, declarou-se culpado por quatro estupros de criança menor de 10 anos e recebeu prisão perpétua adicional no tribunal estadual de Ohio.
O Brasil vive uma grave crise silenciosa: o abuso sexual infantil. Entre 2021 e 2023, foram registrados mais de 164 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes com até 19 anos, segundo o Unicef e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A cada oito minutos, uma criança ou adolescente foi vítima de estupro — e os dados podem ser ainda piores, devido à subnotificação e à ausência de informações de alguns estados.
O perfil das vítimas revela um padrão doloroso: 87,3% são meninas, metade delas com idade entre 10 e 14 anos. A maioria dos crimes acontece dentro de casa e é cometida por alguém conhecido da vítima. Em 85,1% dos casos, o agressor é alguém do círculo familiar ou de confiança.
A violência começa cedo: entre crianças de até 4 anos, os casos aumentaram 23,5% em 2023. Para o Unicef, o combate exige vigilância ativa de educadores, profissionais de saúde e assistência social, além de ações preventivas de educação sexual apropriada para cada idade. O cenário alarmante levou à criação da primeira Estratégia Nacional de Proteção Integral contra Violência Infantil em 2025, mas o desafio permanece enorme.
A tragédia estatística se torna mais chocante ao se pensar que apenas 8,5% das ocorrências chegam às autoridades. Por trás de cada número, há uma vida marcada — e uma urgência coletiva por respostas.
O Disque 100 é o canal oficial para denúncias de abusos e violações de direitos humanos no Brasil. No entanto, é importante lembrar que os dados coletados por esse serviço não refletem toda a gravidade da situação. Muitos casos de abuso e exploração sexual infantil não chegam a ser denunciados, seja por medo, falta de acesso aos serviços ou ausência de apoio à vítima.
Por isso, é essencial promover uma mobilização ampla em todo o país, com foco na prevenção e no combate a esse tipo de violência. Isso envolve ações educativas, campanhas de conscientização, mecanismos eficazes de denúncia, punição rigorosa aos agressores e acolhimento adequado às vítimas, que precisam de apoio físico e emocional para superar os traumas vividos.
O Centro Marista recomenda algumas estratégias que podem ser implementadas para evitar Entre as principais estratégias para enfrentar a violência infantil, destacam-se:
Conscientização: a sociedade precisa estar informada sobre as diversas formas de violência que atingem crianças e adolescentes — como abusos sexuais, agressões físicas, negligência e bullying. Proteger os mais jovens deve ser uma responsabilidade coletiva.
Texto reescrito a partir de reportagem de Yudhijit Bhattacharjee, publicada no The Washington Post.
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