Danilo Gentili saiu em defesa de Léo Lins, após o humorista ser condenado a 8 anos e 3 meses de prisão, além de R$1,7 milhão em multas e danos morais, por piadas feitas em um show de 2022.
Para Gentili, a sentença ameaça a liberdade artística. O humorista argumenta que opiniões podem ser contestadas, mas jamais levar alguém à prisão.
Leia a transcrição na íntegra:
“Bom, para quem não sabe, a Terceira Vara Criminal Federal de São Paulo condenou o comediante Léo Lins a 8 anos e 3 meses de prisão em regime fechado. Também o condenou a uma multa de R$1,4 milhão, acrescida de R$300 mil por danos morais coletivos. Qual foi o crime do comediante Léo Lins? Contar piadas em um show de humor.
Esse show foi posteriormente postado no YouTube e, ao que tudo indica, isso foi considerado crime. No país em que o INSS é usado para fraudar velhinhos à força, a Justiça puniu um comediante por contar piadas em um ambiente criado para isso. Soa como uma piada de mau gosto. Mas o Brasil é assim: um lugar onde o certo é duvidoso e o duvidoso é certo.
A decisão contra Léo se baseia, entre outros fundamentos, em dois argumentos que são, no mínimo, duvidosos — no sentido literal da palavra. Um deles é que a liberdade de expressão não pode ser irrestrita. Ora, liberdade de expressão só pode ser irrestrita. Todos que expressam uma opinião — seja no teatro, na poesia, na música, na ficção, em um livro ou em forma de piada — podem ser criticados, questionados e até acionados em processos civis.
Agora, o que não podem, em hipótese alguma, é ser presos ou alvos de censura. Piadas não fraudam o INSS. Piadas não estimulam golpes. Piadas não matam gente pobre de fome. Piadas não causam mortes por falta de verba na saúde. Piadas não geram intolerância. Piadas não geram preconceito. Piadas são apenas piadas.
O outro argumento, fartamente reproduzido na imprensa, é que o humor não é um passe livre para cometer crimes. E de fato, não é — até porque o humor não comete crimes. Humor é baseado em fantasia, ficção, exagero, em jogos de palavras, em associações, em quebras de expectativa, em preparações e desfechos.
Humor é uma forma de arte e de escrita como qualquer outra. Humor, como outras atividades artísticas, existe para provocar, fazer pensar, causar alívio, gerar riso e boas sensações. E como toda forma artística, a liberdade para se fazer humor e contar piadas deve ser protegida.
Na minha carreira, cansei de responder à pergunta: “Qual é o limite do humor?” E é incrível como muitos artistas não percebem a armadilha por trás dessa questão. Porque, a partir do momento em que se limita oficialmente o humor — como estão fazendo agora —, a próxima pergunta será: qual é o limite do funk? Qual o limite da novela? Qual o limite da poesia? Até onde uma música pode ir? Até onde uma ficção pode ir? Melhor que o remake de Vale Tudo não tenha a morte da Odete Roitman, porque vão querer prender o ator ou atriz que a matou por homicídio. É aqui que estamos chegando.
Desde Aristófanes, na Grécia Antiga, a sociedade entende que comédia e ficção são uma coisa, e realidade é outra. Mas, recentemente, algumas autoridades passaram a tratar comédia e ficção como se fossem realidade. Isso não é progressismo — é regressão.
Uma sociedade que não sabe diferenciar ficção de realidade, piada de verdade, não é uma sociedade do futuro — é uma sociedade pré-tribal. A comédia, a ficção e a arte existem como válvulas de escape, para rir, se distrair, sobreviver em um mundo cruel, onde engolimos as mazelas das autoridades, pagamos impostos e somos obrigados a calar a boca.
Se um músico não pode subir no palco para cantar suas músicas para quem gosta delas, algo está errado. Se um comediante não pode subir no palco para contar suas piadas para o público que comprou ingresso e quer ouvi-las, algo está muito errado.
Se começarmos a aplaudir decisões que silenciam artistas — independentemente da arte que expressam —, algo está muito errado. Estamos na beira do abismo.
Me chateia, mas não me surpreende, ver que Léo Lins foi condenado por ser “preconceituoso” ou por praticar “crimes de ódio”. Isso não condiz com a realidade de quem o conhece. E me revolta, porque conheço o Leo: é um dos caras mais gentis e corretos que existe.
Essa condenação é um tiro no pé de quem tenta limitar a comédia. Foi exagerada, passou de todos os limites. Hoje é o comediante Léo Lins que está sendo condenado à prisão e a uma multa milionária. Gente corrupta condenada não teve o mesmo destino.
Hoje é o Léo. Amanhã pode ser o seu portal, jornalista. Pode ser o seu blog, seu canal no YouTube. Amanhã, o que você disser hoje poderá ser considerado “pensamento antidemocrático”.
Pensamentos autocráticos não são exclusividade da esquerda ou da direita. Eles pertencem a quem não gosta de você e tem poder para acabar com você. Aí seus direitos desaparecem, independentemente do que você pensa.
O Brasil precisa parar de brigar com a ficção e a arte — e focar nos problemas reais. Nossos problemas não são piadas. São idosos sendo fraudados no INSS, gestores públicos que roubam, forças de segurança que abusam do poder, leis que não intimidam criminosos.
Intolerância é levar um tiro na cara por causa de um celular. Crime de ódio é bater em mulher por causa de uma aliança.
“Ah, Danilo, isso é populismo. Misturar INSS para defender seu amigo comediante?”
Você acha que é exagero? Então sai na rua e pergunta a um taxista, frentista, garçom ou qualquer trabalhador:
“O que você prefere? Um comediante preso por contar piadas ou ter segurança para andar com seu celular?”
Você prefere calar a boca de um comediante com multa milionária por causa de uma piada — ou prender corruptos que destroem vidas e o país?
Léo Lins pode recorrer em liberdade. Torço para que ele reverta essa condenação e continue livre. Isso será uma vitória para o meu amigo, para a comédia — minha profissão — e para a arte, a classe à qual eu e Léo pertencemos, mesmo que muitos não queiram admitir.
Para Léo Lins e todos os artistas, desejo liberdade. Essa é a segunda vez que um comediante é condenado à prisão no Brasil. A primeira foi comigo, anos atrás. Felizmente, o bom senso prevaleceu na segunda instância. Espero que aconteça o mesmo com o Léo.
A gente não precisa dessa piada de mau gosto que é prender comediante por contar piadas. Que o bom senso prevaleça. Valeu. [Aplausos]”
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