Nascida no Japão, um país onde dar à luz é seguro e a mortalidade materna é uma das mais baixas da Ásia, Noriko Hayashi cruzou o mundo até Badakhshan, no nordeste do Afeganistão, o lugar com a maior taxa de mortalidade materna do continente. Fascinada pelo trabalho das parteiras desde que cobriu uma matéria sobre o tema em seu país, ela queria ver de perto como essas mulheres enfrentavam um cenário tão diferente do seu. A província, isolada de Cabul, tem montanhas íngremes e estradas precárias que desaparecem sob nevascas no inverno, às vezes por meses, bloqueando o acesso a qualquer ajuda.
Mulheres a ponto de terem seus filhos são carregadas em burros por parentes ou vizinhos, em travessias longas e exaustivas até uma clínica, em viagens que podem durar dias.
Com menos de 10% das mulheres alfabetizadas, a presença de ginecologistas é praticamente nula, e há uma grave escassez de parteiras.
Esse isolamento, combinado à pobreza e a costumes rígidos, faz com que emergências como sangramentos ou infecções, tratáveis em outros lugares, frequentemente terminem em tragédia.
Em áreas rurais conservadoras, as mulheres só viajam acompanhadas por homens da família, uma prática que se tornou ainda mais rigorosa após o Talibã retomar o poder em 2021, dificultando o acesso a cuidados médicos.
Em uma pequena vila, Noriko acompanhou uma equipe móvel de saúde do Fundo de População das Nações Unidas, composta por seis pessoas, que cobria 13 aldeias sem clínicas. Ali estava Anisa, a parteira, cuidando de mães que haviam dado à luz em casa. Uma delas levou o grupo a uma vizinha grávida de nove meses, que nunca havia sido examinada. Com o estetoscópio, Anisa ouviu o coração do bebê e disse:
“Está crescendo bem. Se as contrações vierem, me chame que eu vou.”
Dez dias depois, ela realizou o parto na casa da mulher, garantindo a segurança de mãe e filho.
Mais do que partos, Anisa e outras parteiras eram um alívio para mulheres afegãs, isoladas e sem voz.
Elas desabafavam sobre sogras, casamentos difíceis, repressão e até pediam ajuda para convencer seus maridos a usar métodos contraceptivos, especialmente aquelas que já tinham muitos filhos, algumas com até dez. As parteiras, além de salvar vidas, atuavam como confidentes, oferecendo apoio em uma sociedade onde as mulheres raramente podem compartilhar seus problemas.
Ao fim de um dia exaustivo, Noriko dividiu o carro com Anisa por uma estrada estreita entre montanhas. Um pico coberto de neve despontava ao longe. Ela comentou como devia ser duro viajar assim, ainda mais no inverno. Anisa, olhando pela janela, respondeu que seguiria em frente mesmo assim, em uma região onde tantas morreram; salvar uma vida já bastava. Aquilo ficou na memória da jornalista.
Quando o Talibã tomou o poder em 2021, a situação piorou drasticamente. Doadores internacionais, que sustentavam grande parte do sistema de saúde, se retiraram, forçando o fechamento de hospitais e clínicas.
A taxa de mortalidade materna, já alarmante, tornou-se uma preocupação ainda maior.
Em dezembro de 2024, o Talibã proibiu as escolas de obstetrícia, após já ter vetado a educação para mulheres, impedindo que novas parteiras se formassem. As que já haviam concluído seus estudos, como Anisa, continuavam trabalhando, mas enfrentavam condições cada vez mais difíceis.
No último mês, Noriko descobriu que Anisa parou de trabalhar em janeiro de 2025. Após a retirada de doadores e um corte de 90 dias na ajuda internacional, a equipe móvel de saúde foi desmantelada. Anisa e seu marido, que atuava como vacinador no grupo, ficaram desempregados. Em Badakhshan, o vazio deixado pela ausência dessas equipes pesa sobre as mães, que agora enfrentam um futuro ainda mais incerto, sem acesso a cuidados básicos que poderiam salvar suas vidas e as de seus filhos.
Projeto de documentário. Noriko Hayashi, profissional selecionada para o concurso de documentários de 2025. Prêmio Sony Pictures de Fotografia.
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