Já ouviu alguém dizer que “o mundo está chato demais” ou que “não se pode mais dizer nada”? Por trás dessas frases se encontra um dos grandes temas do mundo moderno: o politicamente correto.
Mas afinal, o que é politicamente correto? E por que esse conceito causa tanto incômodo, elogios e debates acalorados?
Os efeitos do politicamente correto são tão intensos que seus defensores chegaram a modificar a linguagem, fazer pessoas perderem o emprego, e chegaram a dividir populações de países. Para uns, é uma forma de respeito e inclusão, para outros, é censura e ideologias disfarçadas. O que está realmente em jogo nessa discussão?
Entenda agora a origem do politicamente correto, as principais críticas e argumentos favoráveis e o que está realmente em jogo.
Clive Hamilton, professor de Ética Pública da Universidade Charles Sturt, na Austrália, diz que o politicamente correto nasceu como uma paródia entre membros da esquerda. Eles teriam retirado o termo de textos comunistas chineses, principalmente sobre a Revolução Cultural.
O professor afirma:
“A frase 'isso é politicamente incorreto' era dita de forma irônica, mas ela também tinha uma intenção séria: desafiar o outro a pensar sobre o poder social da palavra e os estragos que ela poderia causar.
À medida que essa forma de policiamento linguístico se espalhou, tornou-se um meio altamente eficaz de enfrentar os preconceitos profundamente enraizados embutidos nas palavras e expressões cotidianas”.
Hamilton ainda diz que o sentido político do politicamente correto se referia ao fato de que o movimento buscava mudanças em uma sociedade com falas e atitudes homofóbicas, sexistas e racistas.
As palavras consideradas ofensivas na época não eram censuradas. Segundo o Dicionário Conciso de Política da Universidade de Oxford, esse movimento promovia discursos antirracistas e antissexistas no meio universitário. Seus apoiadores também promoviam protestos e multiculturalismo.
De acordo com Wilson Gomes, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), movimentos identitários têm o politicamente correto como conceito íntimo. Na visão do pesquisador, o identitarismo assumiu o lugar da luta de classes, tornando-se a pauta da esquerda moderna.
Em essência, o conflito permanece o mesmo. No marxismo tradicional, trabalhadores enfrentavam capitalistas pelo controle dos meios de produção. No atualmente conhecido como marxismo cultural, essa luta entre oprimidos e opressores continua.
A principal diferença é que no lugar do capitalista estão os homens, os brancos e os héteros como classes dominantes. Em oposição a eles, em vez de haver um proletário, tem-se uma mulher, um negro ou um homossexual.
Da perspectiva identitária, a opressão se encontra em todas as esferas da sociedade. Seus militantes têm como tarefa “despertar” os membros das minorias para o fato de que são explorados.
É o que ficou conhecido em solo americano como cultura woke. Uma vez despertos para sua verdadeira posição, as minorias seriam motivadas a lutar por condições melhores.
Wilson Gomes afirma:
"Um dos aspectos da luta identitária diz respeito à disputa na linguagem, a disputa pela denominação das coisas, pelo modo como eles próprios são denominados. É uma luta para que tenha uma linguagem respeitosa da identidade e que, portanto, reflita essa identidade. É uma luta de uma certa maneira pela polícia vocabular, como patrulhas ideológicas, constrangimentos etc. Porque o constrangimento é importante para essa luta"
Em entrevista à BBC, Scruton afirma que o politicamente correto parece uma forma de lutar contra injustiças, “mas na realidade se trata de criar vítimas” e usar isso para tomar o poder político.
Seus apoiadores são "especialistas em se ofender, mesmo que não tenha havido ofensa".
"Eles são a voz de uma justiça inquestionável. Seu objetivo é intimidar seus oponentes, expondo-os à humilhação pública", disse o autor britânico.
Scruton trata o politicamente correto como uma filosofia que não se importa em ouvir contra-argumentos. Quem o propaga teria o costume de acusar e condenar automaticamente, sem presunção de inocência. Além disso, o crime não seria nada além de ter uma opinião divergente.
Scruton usa o termo “crime de pensamento”, fazendo alusão ao livro 1984, em que o Estado totalitário que regula a opinião das pessoas.
O inglês ainda traz um novo argumento para o debate quando diz que a perda da liberdade de expressão não é culpa somente do politicamente correto, mas também da natureza humana que tende a buscar bodes expiatórios para seus próprios erros e problemas.
Segundo ele, quando há uma grande desconfiança entre as pessoas, elas procuram culpados por instinto, numa tentativa de se unir contra o problema. No entanto, o que acontece é uma troca de acusações sem fundamento.
Percebe-se então uma semelhança entre os Republicanos americanos e conservadores ingleses: ambos os públicos acreditam que o politicamente correto passou dos limites. São pessoas com saudade de velhos tempos em que podiam falar sem se preocupar em serem censurados.
Outro pensador que compartilha uma visão crítica sobre o politicamente correto é Jordan Peterson, psicólogo clínico e professor canadense, amplamente conhecido por suas palestras e livros como 12 Regras para a Vida.
Peterson argumenta que o politicamente correto é, em essência, uma ferramenta de controle social usada por grupos que buscam consolidar poder político e ideológico.
Para ele, a imposição de linguagem e normas sob o pretexto de inclusão ou sensibilidade muitas vezes mascara uma agenda autoritária, que visa silenciar vozes dissidentes e impor uma única narrativa.
Em suas falas, ele frequentemente aponta que o politicamente correto não apenas restringe a liberdade de expressão, mas também infantiliza a sociedade ao presumir que as pessoas não são capazes de lidar com ideias desconfortáveis ou debates robustos.
Peterson também destaca o perigo do que ele chama de "policiamento do pensamento", uma prática que, segundo ele, é promovida por aqueles que utilizam o politicamente correto como arma política.
Em uma de suas entrevistas, ele afirmou que "quando você começa a controlar a linguagem das pessoas, você controla o que elas podem pensar", ecoando a ideia de "crime de pensamento" mencionada por Scruton.
Para Peterson, esse mecanismo cria uma cultura de medo, onde indivíduos evitam expressar suas opiniões genuínas por receio de represálias sociais ou profissionais, o que, no longo prazo, enfraquece a democracia e a busca pela verdade.
Ele acredita que o politicamente correto, ao invés de promover igualdade, frequentemente serve para hierarquizar grupos com base em uma suposta "moralidade superior", dando poder a quem define o que é ou não aceitável.
O instituto de pesquisas americano Pew Research Center promoveu debates e entrevistas com pessoas que se dizem membros do público progressista/politicamente correto. Uma colocação que apareceu com frequência foi que os defensores do politicamente costumavam se ofender com muita facilidade.
Em 1992, o republicano Patrick Buchanan declarou que havia uma “guerra cultural tão importante para o tipo de nação que seremos quanto à própria Guerra Fria”. E identificou a discriminação religiosa, a presença das mulheres nas Forças Armadas, os direitos dos homossexuais e o direito ao aborto como frontes de batalha.
Alguns tomam esse discurso como uma espécie de oficialização do conflito que já ocorria desde 1970 por vias informais.
O instituto Pew Research publicou um levantamento em 2021 sobre o politicamente correto. Cidadãos de quatro países participaram e apenas na Alemanha a maioria concordou que "as pessoas devem ser cuidadosas com o que dizem para evitar ofender os outros".
A maioria dos entrevistados na França, Estados Unidos e Reino Unido concordaram com "as pessoas hoje se ofendem fácil demais com o que os outros dizem".
A pesquisa reforça o caráter ideológico do tema. Nos EUA, 65% de quem se diz esquerdista demonstram preocupação com que se diz. Apenas 23% dos direitistas concordam com essa posição.
Em 2004, no Brasil, o governo Lula publicou a cartilha do Politicamente correto e Direitos Humanos.
O documento continha quase uma centena de termos pejorativos e o então subsecretário de promoção e defesa dos direitos humanos Perly Cipriano afirmou que o material buscava “chamar a atenção dos formadores de opinião para o problema do desrespeito à imagem e à dignidade das pessoas consideradas diferentes”.
A cartilha admite, inclusive, a existência de racismo contra pessoas brancas. Leia a passagem:
"Branquelo - Por incrível que pareça, existe no Brasil preconceito racial contra pessoas brancas. Mais fortemente, contra membros das colônias europeias no Sul do País. 'Branquelo' e "branquelo azedo' são duas das expressões pejorativas contra os brancos."
Após serem emitidos 5 mil exemplares, a repercussão foi amplamente negativa. O escritor João Ubaldo Ribeiro do jornal O Globo escreveu em sua coluna:
"É estarrecedor. Estamos ingressando numa era totalitária, em que o governo dá o primeiro passo para instituir uma nova língua e baixar normas sobre as palavras que devemos usar?".
O próprio Lula rechaçou o documento na época. O presidente utilizava vários dos termos listados em seus discursos. Segundo reportagem do Estado de São Paulo na época, o mandatário disse que a cartilha era "um absurdo, uma perda de tempo e um gasto desnecessário de dinheiro".
Outro grande episódio envolvendo o politicamente correto no Brasil ocorreu em 2010. O livro Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato foi acusado de disseminar "preconceitos e estereótipos contra grupos étnico-raciais".
A denúncia foi feita à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Entre as medidas tomadas estava: treinar professores para acrescentar informações à obra. Os alunos deveriam saber sobre estereótipos raciais, o contexto na época de publicação e sobre o próprio autor.
Os pesquisadores João Feres Júnior, Leonardo Nascimento e Zena Eisenberg fizeram um levantamento da mídia. O estudo chegou à conclusão que metade dos conteúdos opinativos produzidos pela grande mídia na ocasião relacionavam o caso ao politicamente correto e à ideologia do PT.
Um dos textos relatou que se tratava de uma “imposição da ideologia de um grupo de militantes de esquerda autoritária sobre toda a sociedade”.
Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras afirmou:
"Quem pede a suspensão de uma obra por ela conter um termo considerado discriminatório está assassinando a cultura brasileira, que a cada dia é torpedeada por novas empreitadas da patrulha do politicamente correto".
Outro episódio marcante ocorreu um ano depois da denúncia a Monteiro Lobato. Considerou-se fechar escolas voltadas para estudantes com deficiência auditiva e visual e integrá-los nas escolas convencionais. O jornal O Globo escreveu em seu editorial:
"O extenso histórico de medidas com o viés do politicamente correto, em obediência à linha ideológica de áreas do PT e adotadas desde o primeiro governo Lula, recomenda prudência e boa dose de ceticismo em relação ao desmentido (de que a proposta não seria adotada).
Afinal, não é a primeira vez que o governo federal tenta empurrar goela abaixo da sociedade uma pílula supostamente progressista, que, na realidade, é um composto no qual mal se disfarça o DNA do autoritarismo e da intolerância".
Segundo o Parlamento Europeu, a linguagem neutra busca “contribuir igualmente para reduzir os estereótipos de gênero, para promover mudanças sociais e para alcançar a igualdade de gênero”. Contudo, há grandes questionamentos sobre essa questão.
A linguagem neutra procura não identificar o gênero do interlocutor. Daí surgiram termos como “elu/delu” para substituir “ele/dele” e “ela/dela”. Além disso, para palavras que tenham um gênero por si só, usa-se a letra “e” no final. Por exemplo, em vez de falar “bonito(a)” se falaria “bonite”.
Há outras práticas adotadas para neutralizar a linguagem. Alguns exemplos adotados pelo próprio Parlamento Europeu foram
O Deputado Federal brasileiro Carlos Jordy do PSL fez uma publicação em seu twitter em 2022:
"Netflix coloca em seu catálogo desenho infantil que promove linguagem neutra, ideologia de gênero e destruição da família. Pais, não deixem seus filhos assistirem o desenho Ridley Jones".
O Presidente Bolsonaro vetou o uso da linguagem neutra em projetos que utilizassem recursos da Lei Rouanet. O então secretário de fomento e incentivo à cultura, André Porciúncula publicou em suas redes sociais:
"Entendemos que a linguagem neutra (que não é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a manutenção e difusão da cultura. E que submeter a língua a um processo artificial de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza".
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin defendeu a prática:
"... a linguagem inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos retirando vieses que usualmente subordinam um gênero ao outro.".
Foi o que disse o ministro ao derrubar a proibição do uso de linguagem neutra em escolas e editais de concursos aprovada na Assembleia Legislativa de Rondônia.
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Com o advento do politicamente correto também surgiu a cultura do cancelamento na internet. A maior parte de suas vítimas são personalidades públicas e que tiram o seu sustento do conteúdo que produzem para as mídias digitais.
Ela funciona da seguinte forma: o alvo do cancelamento diz ou faz algo que possa ser considerado politicamente incorreto. Então, os usuários de redes sociais começam um movimento coordenado de constantes denúncias e condenações.
As empresas que patrocinam o criador de conteúdo cancelado começam a ser pressionadas a cancelar seus contratos com o influenciador. Quando o cancelamento é bem sucedido, o profissional perde seus patrocínios e é muito difícil se reerguer a partir daí.
Dessa forma, os chamados “canceladores” mantém o controle sobre as opiniões emitidas por grandes personalidades, pois as demais passam a temer serem o próximo alvo.
Vale dizer ainda que muitas vezes os canceladores são minoria. Contudo, sua capacidade de organização e engajamento é grande ao ponto que eles conseguem prejudicar muitos produtores de conteúdo.
Outro ponto importante a salientar é que, mesmo que o cancelado acione a justiça alegando calúnia, injúria ou difamação, geralmente o problema costuma não se resolver. Até o processo tramitar por completo o influencer já vai ter perdido seus contratos e sua reputação estará manchada.
Num momento, a justiça comum não consegue acompanhar o “tribunal da internet”. Esse é um fator que conta muito a favor dos canceladores, que usam essa arma midiática para cercear a liberdade de expressão.
Os apoiadores do politicamente correto negam até mesmo a existência da cultura do cancelamento. Eles argumentam que o que acontece são apenas boicotes legítimos a personalidades que demonstraram serem preconceituosas.
Outro argumento bastante utilizado é que o politicamente correto não tem nada a ver com a cultura do cancelamento. Normalmente, os que fazem esse argumento dizem que ser politicamente correto se limita a defender minorias, e não atacar outras pessoas.
Um grupo de 150 nomes de peso da arte, ciência, jornalismo e acadêmicos progressistas publicaram uma carta chamada “Uma carta sobre Justiça e Debate Aberto” na Harper's Magazine, uma revista americana de grande público.
Abaixo colocamos um trecho da carta:
"A livre troca de informações e ideias, força vital de uma sociedade liberal, tem diariamente se tornado mais restrita. Enquanto esperávamos ver a censura partir da direita radical, ela está se espalhando também em nossa cultura: uma intolerância a visões opostas, um apelo à vergonha pública e ao ostracismo e a tendência de dissolver questões políticas complexas com uma certeza moral ofuscante".
Dentre os nomes que assinaram a carta estava J.K. Rowling, autora de Harry Potter. A escritora é constantemente cancelada por suas opiniões a respeito de transsexuais.
Outro grupo de produtores de conteúdo e mídia do próprio campo progressista publicaram uma carta resposta. Nela, acusavam seus companheiros de profissão de ignorar as dificuldades das minorias por já terem atingido seu sucesso profissional:
"Os signatários, muitos deles brancos, ricos e dotados de plataformas enormes, argumentam que têm medo de ser silenciados, que a chamada cultura do cancelamento está fora de controle e que eles temem por seus empregos e pelo livre intercâmbio de ideias, ao mesmo tempo em que se manifestam em uma das revistas de maior prestígio do país"
O novo documento ganhou o nome de "Uma carta mais específica sobre Justiça e debate aberto". Vinte e três dos nomes que escreveram a carta foram mantidos em sigilo.
Nós, da Brasil Paralelo, acreditamos na educação como motor do enriquecimento tanto material quanto mental e espiritual. Por isso estamos chamando para o nosso Núcleo de Formação, a plataforma de cursos da Brasil Paralelo.
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