Biografia - das favelas de Trenchtown ao trono do reggae
Bob Marley não nasceu em palácios de ouro. Sua primeira casa foiem uma vila rural sem eletricidade na Jamaica. Ele cresceu na favela de Trenchtown, em Kingston, um lugar de casas improvisadas, lama e torneiras públicas.
Foi em sua terra natal que ele encontrou o caldeirão cultural que moldaria sua música. Filho de Cedella Booker, uma jamaicana negra, e Norval Sinclair Marley, um capitão branco de origem inglesa que abandonou a família antes mesmo de Bob completar um ano, Marley cresceu entre a simplicidade do campo e as dificuldades da cidade.
Aos 12 anos, ele e sua mãe mudaram-se para Trenchtown, onde a vida nas ruas, a pobreza e os sons do ska e do rocksteady começaram a despertar seu interesse pela música.
Início da carreira
Antes de se tornar um ícone mundial, Marley deu seus primeiros passos na música ainda adolescente. Em 1962, aos 16 anos, ele gravou "Judge Not" no Studio One, um dos estúdios mais influentes da Jamaica, sob a tutela do produtor Clement "Coxsone" Dodd.
A canção, lançada como single por Beverley’s Records, trazia uma mensagem simples, mas já reveladora de sua filosofia:
“Não julgue os outros antes de julgar a si mesmo”.
Apesar de não ter sido um sucesso comercial na época, "Judge Not" marcou o início de sua jornada musical e mostrou seu talento precoce como compositor e cantor.
Nos primeiros anos, a música não foi suficiente para sustentar Marley. Ele trabalhou como soldador em Kingston, uma habilidade que aprendeu para sobreviver na juventude.
Faxineiro nos EUA
Em 1966, aos 21 anos, ele passou alguns meses nos Estados Unidos, em Delaware, onde trabalhou como operário em uma fábrica da Chrysler e como faxineiro, enviando dinheiro para a família na Jamaica.
Curiosamente, Marley também lia mãos, um talento que desenvolveu na infância e que impressionava amigos pela precisão – uma faceta mística que ecoava sua espiritualidade rastafári, ainda em formação.
O verdadeiro turning point veio com a criação dos Wailers. Em 1963, Marley juntou-se a Peter Tosh e Bunny Wailer, amigos de Trenchtown, para formar o grupo inicialmente chamado The Teenagers, que logo se tornaria The Wailers.
Início do sucesso
Inspirados pelo ska e pelo soul americano, eles gravaram "Simmer Down" em 1964, também com Coxsone Dodd.
A música, um apelo contra a violência nas ruas de Kingston, explodiu nas rádios jamaicanas, alcançando o topo das paradas locais e vendendo mais de 70 mil cópias – um marco para um grupo de jovens sem recursos.
Esse sucesso inicial abriu portas, mas o dinheiro ainda era escasso, e os Wailers enfrentaram anos de instabilidade financeira e mudanças na formação.
A transição para o reggae e o sucesso global veio na década de 1970. Após trabalhar com o excêntrico produtor Lee "Scratch" Perry entre 1969 e 1971, Marley e os Wailers refinaram seu som, incorporando batidas mais lentas, letras espirituais e a influência do rastafarianismo, que Marley abraçara plenamente após visitar Haile Selassie na Etiópia em 1966.
Canções como "Soul Rebel" e "Trenchtown Rock" começaram a definir o reggae como um gênero de protesto e redenção.
Em 1972, Chris Blackwell, da Island Records, viu o potencial do grupo e assinou um contrato que mudou tudo. O álbum Catch a Fire (1973), com faixas como "Stir It Up" e "Concrete Jungle", foi lançado com uma produção sofisticada voltada para o mercado internacional, misturando o roots reggae com elementos de rock.
A turnê subsequente na Europa e nos EUA apresentou Marley ao mundo, e o disco seguinte, Burnin’ (1973), com "Get Up, Stand Up" e "I Shot the Sheriff", consolidou sua fama – especialmente após o cover de Eric Clapton em 1974 levar "I Shot the Sheriff" ao topo das paradas americanas.
Foi como músico que Marley brilhou de verdade, usando sua fama para ajudar os pobres de Trenchtown.
Sua casa na Hope Road, em Kingston, virou um ponto de acolhimento, onde ele distribuía comida, dinheiro e apoio aos necessitados. Com Rastaman Vibration (1976), que alcançou o Top 10 da Billboard, Marley se tornou um símbolo global de resistência e paz, levando o reggae das vielas de Kingston para estádios lotados ao redor do mundo.
Sua trajetória, de um jovem soldador a um ícone que cantava pela liberdade, mostra como o talento, a fé e a luta o elevaram ao sucesso.
Um homem de contradições - a Face Oculta de Bob Marley